seis e uns quebrados
não há nada além do correr dos ponteiros
além do barulho assustador do tic-tac
do vermelho vivo sangue do relógio
pendurado no alto de uma parede de azulejos
que se completam num padrão tão bonito
em algo tão sólido e difícil de penetrar
quando se lembra que não há nada além
além dos gritos cortantes por socorro
confusão espacial das sirenes dos bombeiros
nada além do frio do silêncio do vazio
nada além do correr ainda dos ponteiros
é aí que a noção de tudo se esvai e volta
tic
tac
sexta-feira, 6 de junho de 2014
quinta-feira, 22 de maio de 2014
vinte e dois de maio de dois mil e catorze.
medo
e os gatos
mortos pela Inquisição
não conseguiram evitar
a peste que devastou
toda Europa.
*
hoje faz um dia bom
pra quebrar um ukulele
na cabeça do Joseph Blatter
hoje faz um dia bom
pra tomar leite da garrafa
fora da data de validade
hoje faz um dia bom
pra pegar ônibus nenhum
e dormir a tarde toda
hoje faz um dia bom
pra anunciar uma revolta
(armar idosos com granadas, coisa e tal)
hoje faz um dia bom
pra pagar pelo que é teu
sem reclamar ou fazer cara feia
hoje faz um dia bom
pra encher a cara de cachaça
o peito de coragem e
desistir sentar
e esperar
hoje faz um dia bom
mentira
não faz não
e os gatos
mortos pela Inquisição
não conseguiram evitar
a peste que devastou
toda Europa.
*
hoje faz um dia bom
pra quebrar um ukulele
na cabeça do Joseph Blatter
hoje faz um dia bom
pra tomar leite da garrafa
fora da data de validade
hoje faz um dia bom
pra pegar ônibus nenhum
e dormir a tarde toda
hoje faz um dia bom
pra anunciar uma revolta
(armar idosos com granadas, coisa e tal)
hoje faz um dia bom
pra pagar pelo que é teu
sem reclamar ou fazer cara feia
hoje faz um dia bom
pra encher a cara de cachaça
o peito de coragem e
desistir sentar
e esperar
hoje faz um dia bom
mentira
não faz não
quarta-feira, 30 de abril de 2014
nota introdutória
nota introdutória
escrevi dispersodispensei a arte
fiz o inverso
e cobrei só metade
meu pescoço dói
capotei e dormi só que de lado
não levem a sério
ainda estou sendo alfabetizado
segunda-feira, 28 de abril de 2014
passo
passo
passo passo passo passopasso passo passo passo
como posso apressado
pensar tanto em te ver
passo logo por sua porta
e sozinho me encontro
meio turvo passo oco
passo assim e passo sonso
e de novo o passo avança
e mais passo descabelo
mas de novo mais um passo
e atrás ficou o passado
que eu deixei pelos espaços
que me trazem até aqui
passo passo
passo passo
enquanto caço aventuras
passo por um palacete
em que o palhaço que saltou
suicidou-se sem querer
e passo passo passo passo
passo passo
passo passo
aconteceu
aconteceu
aquela voz que passa pelo ouvidocomo as nuvens passam pela Lua
aquela voz que passa para o olvido
como um dia sem crianças na rua
aquele muro que ergueram em segredo
logo que veio de repente o medo
aquela luz que vacilou por segundos
como se com o vento a energia falhasse
aquele instante em que surgiu uma sombra
de um avião que por segundos passava
aquele mês em que o circo partiu
e todo mundo entristeceu, num impasse
sábado, 19 de abril de 2014
maio
maio
em maio todos ficam doentes.
corpos que se espremem no canto de
salas de aula
escritórios
bares
e que, de vez em quando,
percorrem todo o caminho
se esgueirando pelo ar
até chegar ao banheiro,
pegar papel, assuar o nariz,
lavar a cara, o nariz,
assuar o nariz de novo,
fazer uma careta para o espelho
e voltar, num caminho tortuoso
até onde estavam
corpos que se escondem
debaixo de cobertores nos finais de semana,
tentando ler — não conseguindo
e se entretendo
na mais pós-moderna representação da volúpia do aborrecimento:
a música indie-deprê
as janelas estão sempre ocupadas.
as luzes faiscantes dos carros
entretêm esses corpos que se submetem
ao vento gelado da madrugada por
falta do que
querer fazer.
nunca se toma tanto café.
nunca se fuma tanto cigarro.
a desatenção só proporciona
a leitura da poesia
(as piores leituras possíveis)
mas da poesia curta
da poesia de uma estrofe só.
nesse começo de frio,
de maio,
não conseguimos acreditar
que esses corpos molengas abrigam pessoas.
não queremos acreditar
dá um pouco de pena.
mas o corpo é superestimado.
poesia
poesia
meu quarto é poesialá tenho uns livros em capas bonitas
pedrinhas translúcidas flutuam
a luz da lâmpada
refrata nelas e descem
raios de cor
tortos
lá estou confortável
me escondo, me exponho
tenho coisas que nem sei
se são coisas
e o tapete
— naquelas manhãs frias
ajuda um pouco
lá eu faço o que quero
(ou quase)
quando durmo
é como se fosse
curva
a parede da porta é de um jeito
a parede da janela de outro
mas todas me dão abrigo necessário
o teto parece solto
mas não desaba
meu quarto é
incrível no
lusco-fusco
que faz lá
pras seis
da manhã
e da tarde
(ou da noite?)
mas eu tenho que sair de lá
às vezes
e o mundo é
— clichê —
hostil
hostil
demais
o mundo não é assim
como cantam
como contam
mas você parece não ser daqui
(tua presença
me é
poesia)
minhas mãos sujam as páginas
do teu livro preferido e eu
não sei se há metafísica nisso
mas antes que
eu sinta
(ou antes que eu minta o que eu sinto)
me escondo
em camadas
de tinta
no mundo — assim
com você, eu vivo em poesia.
domingo, 6 de abril de 2014
não
não
merdaé isso
aquilo
é regra
arbitrário o ódio
arbitrária
a surra
a chuva
de merda
que cai por terra
vida
humana
em selva
assim
escombros da mente
mentira
sentido?
se esconder
viver
a vida em refúgio
meu
é meu
eu posso
eu tenho
consegui, não sei como
mas tenho
tenho
posso?
posse:
você, é meu
a vida em refúgio
a vida em fuga
merda é
isso
aquilo
nosso
concreto
concreto
arquitetura
moderna
dobraduras em concreto
barquinhos de papel
descem o viaduto
sobe ao
teto
uma textura
que inunda
teus lábios
dobram
lábio
dobra
linda dobra
lindos lábios
de índia
um bardo
do rádio
um dia
lindo dia
na barra funda
não sente nos bancos
da frente nos assentos
da frente não sente
não, o cobrador vai
te olhar estranho
não sente nos assentos
da frente nos bancos
da frente no fundo dá
medo mas não na frente
as chaminés e
dobraduras em concreto
my tongue hurts
I can't barely speak
nor sneeze
nor swallow
lar doce
alarde
um alarido
um som
esquisito
lar doce
lar
(dobraduras no concreto)
onde se escondem os poemas
onde se escondem os poemas
pra leitora que fica feliz com o que eu escrevo
Quatro ideias meio toscas
um par de rimas e sons
com frio, e refugiadas
debaixo de um cobertor
Todo poema puxa e repuxa
e bate e volta, resiste
com todas as forças cai
numa de mostrar que insiste
Mas aquele poema que sai
é sempre aquele que quando
esqueço, foge daqui sem eu ver
Aquele poema em cores escuras
na dobra da esquina, em um
caderninho ou escondidinho em você.
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
o gato
o gato
(cenas de um momento de desconcerto; o gato, meu animal preferido; poesia-cinema)Passava pelo corredor a passos lentos, quando o encontrei
o gatinho.
o gatinho
O barulho daquela gente toda me sufocava
cada vez mais, me sufocava
eu pedia por ar
fazendo caretas
esmagando o nariz.
Logo parei e me ajoelhei.
Tudo embaçou ao redor
vozes abafaram
o gatinho me chamava só pra si.
miau
textura aveludada
quente
logo contraiu com um espasmo de prazer
— eu acho.
Bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer
…Bem-me-quer!
miau
só o eu e o gato,
que ousou me lamber
com aquela língua de textura estranha
Susto.
Bem-me-quer, bem-me-quer.
Olhares cruzados, vi nos dele
as minhas próprias bolinhas de gude
míopes de cor
celeste
le bleu
O que deu na minha mente quando te vi chegar?
Por gracejo te ignorei.
Só o gato e eu.
só o gato e eu
Logo me soltei
te olhei
sorri
ensaiei tudo de novo,
em segundos
segundos
Ouvi nitidamente teus lábios se soltarem
Minto
O gato ouviu, tenho certeza
miau-miau
Semblantes mantidos
trejeitos engraçados.
ficavas cada vez mais corada, meiga
Olhei,
desviei
abaixei e saudei meu amiguinho
— beijinho esquimó.
Só o gato e eu.
só o gato e eu
Como que carregando o carinho grudado no rosto,
levei-o até você
Estremeci.
Olhei de novo
não desviei
Bem-me-quer, bem-me-quer.
enrubescidos
e o gato como que não entendendo,
me encarava
Olhares cruzados,
vi nos dele as minhas próprias bolinhas de gude
míopes de cor
celeste
azul
re-miau
Saudei novamente meu amigo felino e me levantei
junto de você
Parece que nos olhamos até agora.
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
o fim das feiras
o fim das feiras
O Sol entra de soslaiopor uma fresta na janela.
Repito dois ou três mantras
e saio de meu quarto, laranja.
As pantufas super-confortáveis,
a vaquinha engraçada na embalagem do leite,
o laranja,
valem a manhã.
E vale dizer que amanhã,
pode ser um domingo chuvoso,
uma segunda feira,
ou o fim das feiras.
Marte
Marte
Amar-te?Prefiro fugir,
sem volta,
pra Marte.
Numa nave
trancada
e sem chave.
Em sofrer por amor,
posso fazer escola.
Fico mesmo por aqui...
e vê se não me amola.
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
o ar
o ar
Sopra o ara criança pisca
enquanto segura um balão
E a mãe chega
em um clique
e sorri.
O vento segura os balões no ar.
O vento muda, a vela muda.
O vento move ternura, move ar.
Meu amigo,
a redoma está no ir.
Como você vai
caminhando
e não pensa em voltar
Levando um livro surrado
entre lugares
e faces
de Renoir.
Tudo rima
com o ar.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
a Lua e a Rua
a Lua e a Rua
A Lua e a rua se completamO céu se estende à noite
e a noite estende
um varal de estrelas
centenas
enquanto completa
o quadro com a Lua.
A Lua não sente saudade dos homens
não dos que vêm
de um mundo torto.
A luz entrincheirada
percorre a rua
Enquanto a Lua sobe
se escondendo por trás
das nuvens.
A Lua espreita os homens
Delicada, se detém
decepcionada, porém
Brinca com o mar
Enquanto a moça brinda
seus pés molhados.
Diante do luar
Seus cabelos
enrolados vibram
num vento torto.
A Lua, nossa testemunha.
A Lua, que também tem sua culpa.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
molas
molas
Meu amor,meu amortecedor
Me jogo de cabeça
— perco a razão
e ainda não caibo
em seu porta-malas.
Aquele chevette
não aguenta
um sequestro,
Meu amor.
E os dois homens
de capuz
não eram nada mestres
— em me amarrar
como você,
eu supus.
Não chamei a polícia
— eu não gosto da polícia.
Corri e me perguntei
como toda aquela carícia
virou porrada na nuca.
Como você ficou tão transtornada
pra chegar a esse ponto.
Como eu nunca pensei
que poderia ser sequestrado.
Então chamei a polícia
porque você foi de fato
uma idiota, sábado passado.
Júlia
Júlia
Júlia tentava dormir
como tenta qualquer pessoa
que precisa acordar cedo,
que está abobada com algo,
insone, quente ou com medo.
Com a fronte pra cima,
de bruços, de lado
com braço levantado,
flexionado,
de lado com as pernas dobradas e
o tempo se perde
— passa e não passa
e não sabemos se divagar
ou esvaziar é a solução
A mente gira, grita
Júlia tranquila, porém
vazia.
Centenas de minutos
na fila de espera
com direito a sete sonhos
de sete cores cada,
uma escada, uma caneca,
uma maçã e uma lanterna.
Como chegar à Lua?
Escada não basta;
mas basta jogar uma corda
em uma de suas pontas
Seus habitantes acordam
e te puxam — uma nuvem
te empurra
o vento desce
e derruba o chapéu.
Peixe vira água
andorinha vira céu
Enquanto Júlia vira pião,
abelha vira mel.
E gira, e gira
e quebra o ritmo
e seu par não coopera
Mas Júlia não liga
não liga
— seu par não liga
porque tudo é primavera
quando se tecla e se tecla
e nasce a arte
e o piano canta
como a voz de Júlia
que toca o piano
e Júlia soa como
mais uma folha
caindo num eterno outono
novo
— numa eterna festa junina
entre doces e doces amigos
e uma vida inteira
numa camisa retalhada
— num mundo onde
o céu tem cheiro de sândalo
o chão tem cor de correria
e são proibidos
corações partidos
e partidas.
Mas Júlia partiu.
Júlia tentava dormir
como tenta qualquer pessoa
sonhar.
E Júlia
dormiu.
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