quarta-feira, 30 de abril de 2014

nota introdutória

nota introdutória

escrevi disperso
dispensei a arte
fiz o inverso
e cobrei só metade

meu pescoço dói
capotei e dormi só que de lado
não levem a sério
ainda estou sendo alfabetizado

segunda-feira, 28 de abril de 2014

passo

passo

passo passo passo passo
passo passo passo passo
como posso apressado
pensar tanto em te ver
passo logo por sua porta
e sozinho me encontro
meio turvo passo oco
passo assim e passo sonso
e de novo o passo avança
e mais passo descabelo
mas de novo mais um passo
e atrás ficou o passado
que eu deixei pelos espaços
que me trazem até aqui
passo passo
passo passo
enquanto caço aventuras
passo por um palacete
em que o palhaço que saltou
suicidou-se sem querer
e passo passo passo passo
passo passo
passo passo

aconteceu

aconteceu

aquela voz que passa pelo ouvido
como as nuvens passam pela Lua
aquela voz que passa para o olvido
como um dia sem crianças na rua


aquele muro que ergueram em segredo
logo que veio de repente o medo
aquela luz que vacilou por segundos
como se com o vento a energia falhasse

aquele instante em que surgiu uma sombra
de um avião que por segundos passava
aquele mês em que o circo partiu
e todo mundo entristeceu, num impasse

sábado, 19 de abril de 2014

maio

maio

em maio todos ficam doentes.
corpos que se espremem no canto de
salas de aula
escritórios
bares
e que, de vez em quando,
percorrem todo o caminho

se esgueirando pelo ar
até chegar ao banheiro,
pegar papel, assuar o nariz,
lavar a cara, o nariz,
assuar o nariz de novo,
fazer uma careta para o espelho
e voltar, num caminho tortuoso
até onde estavam

corpos que se escondem
debaixo de cobertores nos finais de semana,
tentando ler — não conseguindo
e se entretendo
na mais pós-moderna representação da volúpia do aborrecimento:
a música indie-deprê

as janelas estão sempre ocupadas.
as luzes faiscantes dos carros
entretêm esses corpos que se submetem
ao vento gelado da madrugada por
falta do que
         querer fazer.

nunca se toma tanto café.
nunca se fuma tanto cigarro.
a desatenção só proporciona
a leitura da poesia
(as piores leituras possíveis)
mas da poesia curta

da poesia de uma estrofe só.

nesse começo de frio,
de maio,
não conseguimos acreditar
que esses corpos molengas abrigam pessoas.
        não queremos acreditar
                   dá um pouco de pena.
mas o corpo é superestimado.

poesia

poesia

meu quarto é poesia
lá tenho uns livros em capas bonitas
pedrinhas translúcidas flutuam
a luz da lâmpada 

refrata nelas e descem
raios de cor
tortos

lá estou confortável
me escondo, me exponho
tenho coisas que nem sei
se são coisas
e o tapete
— naquelas manhãs frias
ajuda um pouco

lá eu faço o que quero
(ou quase)
quando durmo
é como se fosse
curva


a parede da porta é de um jeito
a parede da janela de outro
mas todas me dão abrigo necessário
o teto parece solto
mas não desaba

meu quarto é
incrível no
lusco-fusco
que faz lá
pras seis
da manhã
e da tarde
(ou da noite?)

mas eu tenho que sair de lá
às vezes
e o mundo é
— clichê —
hostil
      hostil
        demais
 

o mundo não é assim
como cantam
como contam
mas você parece não ser daqui
(tua presença
          me é
             poesia)

minhas mãos sujam as páginas
do teu livro preferido e eu
não sei se há metafísica nisso
mas antes que
eu sinta
(ou antes que eu minta o que eu sinto)
me escondo
em camadas
de tinta


no mundo — assim
com você, eu vivo em poesia.

domingo, 6 de abril de 2014

não

não

merda
é isso
aquilo
é regra
arbitrário o ódio
arbitrária
a surra
a chuva
de merda
que cai por terra

vida
humana
em selva
assim
escombros da mente
mentira
sentido?
se esconder
viver
a vida em refúgio

meu
é meu
eu posso
eu tenho
consegui, não sei como
mas tenho
tenho
posso?
posse:
você, é meu

a vida em refúgio
a vida em fuga
merda é
isso
aquilo
nosso

concreto

concreto 

arqui
        tetura
moderna
        dobraduras em concreto
barquinhos de papel

        descem o viaduto
sobe ao
        teto
uma textura
        que inunda

teus lábios
dobram
lábio
dobra
linda dobra
lindos lábios
de índia


um bardo
do rádio
um dia
lindo dia
na barra funda

não sente nos bancos 

da frente nos assentos 
da frente não sente
não, o cobrador vai 

te olhar estranho
não sente nos assentos 

da frente nos bancos 
da frente no fundo dá 
medo mas não na frente

as chaminés e
dobraduras em concreto

my tongue hurts
I can't barely speak
nor sneeze
nor swallow

lar doce
alarde
um alarido
um som
esquisito
lar doce
lar


(dobraduras no concreto)

onde se escondem os poemas

onde se escondem os poemas

pra leitora que fica feliz com o que eu escrevo

Quatro ideias meio toscas
um par de rimas e sons
com frio, e refugiadas
debaixo de um cobertor

Todo poema puxa e repuxa
e bate e volta, resiste
com todas as forças cai
numa de mostrar que insiste

Mas aquele poema que sai
é sempre aquele que quando
esqueço, foge daqui sem eu ver

Aquele poema em cores escuras
na dobra da esquina, em um
caderninho ou escondidinho em você.